quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Destaque da análise

Atendendo a pedidos destaquei aqui só a parte da análise. O texto integral foi postado anteriormente. Agradeço a todos que têm colaborado na divulgação desse Blog.
Em breve acrescentarei novos artigos.

Amazing Grace - uma análise do hino



Da letra do hino Amazing Grace quero ressaltar o estilo de oposições, que muito lembra o tipo de argumentação que o Apóstolo Paulo utilizava com grande maestria em seus escritos. Mas o que fica mais evidente, e seria o caminho mais correto de analisar os hinos de Newton, seria a influência sofrida por ele da hinódia bíblica, sobretudo os salmos.
Vamos focar aqui alguns exemplos de paralelismo antitéticos, próprio do saltério, suficentes para delinear a sua força poética e o vigor das imagens bíblicas evocadas e que fazem parte da memória dos cristãos acostumados com a Bíblia.


Vejamos:

1) Amazing grace / saved a wretch – sublime graça / salvou um desgraçado

Aqui encontramos um paralelismo antitético que opõe graça (grace) a desgraçado (wretch). Aqui se releva o paradoxo criado, pois a graça salva o desprovido de graça, o sujeito desgraçado, o infeliz. Apelando, dessa forma, ao paradoxo, ressalta o alcance infinito da graça. O ensino de Paulo é evocado, pois na figura do sujeito wretch abunda o pecado e este é o locum da (Amazing ) Grace, pois segundo as palavras paulinas “onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm 5,20).

2) lost / found - perdido / encontrado

Encontramos também um paralelismo antitético do campo semântico da perda, de um lado o perdido , de outro o encontrado. De fato a imagem que aqui é evocada é bíblica, trata-se da parábola de Jesus conhecida como Filho Pródigo, quando o pai, se dirigindo ao outro filho diz “este teu irmão estava morto e revivieu, tinha se perdido e foi achado” (Lc 15,32).

3) was blind / now i see – era cego / agora eu vejo

Mais uma vez a antítese é posta em paralelo, e outra imagem bíblica é evocada, agora a de um relato de cura, quando alcançado pela graça curadora de Jesus um jovem testemunha “eu era cego, e agora vejo” (Jo 9, 25).

4) taught my heart to fear / and (...) my fears relieved – ensinou meu coração a temer / aliviou meus medos

O que dizer da beleza do paralelismo antitético que se utiliza da mesma palavra (fear) com dois sentidos diferentes no contexto? Não me parece forçoso ver aqui uma evocação de 2Cor 7,15, com a expressão paulina “temor e tremor”, (gr.: phobou kaí tromou; ing.: fear and trembling). Pois a graça que o levou a temer a Deus é a mesma que o aliviou dos temores da vida. Cabe lembrar aqui a experiência de marinheiro náufrago e a evocação da imagem bíblica correspondente, a dos discípulos em meio a tempestade.
É demasiado Amazing (maravilhoso, sublime) a seqüência de imagens bíblicas que se sucedem em tão poucas palavras. Como se não bastasse estão estruturadas de forma familiar ao conhecedor das Escrituras Sagradas, segundo a poética tão conhecida dos salmos. Considerando que tal peça tem como seu locum próprio a liturgia, já se pode entender como Amazing Grace atravessou o do séc. XVIII até o XXI sem perder o vigor.
A conversão, ou a experiência sentida de transformação se revela na vida, não de forma mágica e imediata, mais nas opções que o sujeito agraciado vai experimentando e na medida que se abre ao transcedente.
Tal sujeito se abre ao transcedente voltando-se para o ser humano, e busca desarticular as estruturas desumanizantes de seu tempo, a mais gritante, a escravidão do seu semelhante. O Rev. John Newton foi importante de várias maneiras, mas em especial influenciando William Wilberforce, em quem deixou sua marca, o que se fez notar durante a vida deste último.
A História de William Wilberforce ganhou um filme, Amazing Graceviii, propositadamente homônimo do hino do Rev. John Newton. Esse parlamentar inglês desejou ser um ministro do evangelho mas acabou sendo um cristão atuante na sociedade de sua época, no seu cuidado para com os pobres e na sua luta vitoriosa contra a escravidão. Assim como John Newton ele não experimentou sua espiritulidade distante da vida cotidiana, mais imerso nos problemas mais profundos de sua época.
O grande abolicionista brasileiro, Joaquim Nabuco, escrevia no Jornal do Comércio sob a pseudonímia de Wilberforce, o que por si só já demonstra o alcance da influência do espírito abolicionista do inglês. Nos Estados Unidos ninguém menos que Abraham Lincoln compartilhava a visão de Wilberforce.ix
Podemos observar que o homem voltado apenas para as suas necessidades imediatas se coloca dentro das estruturas do mundo, mas quando tem o seu espírito iluminado pela Graça pode ver com clareza as estruturas desumanizantes e, removendo a cegueira, responder a graça divina e transformar-se a si mesmo e ao mundo.
No presente século, a espiritualidade é experimentada e entendida de outra maneira, nesse nosso contexto de pós-modernidade impera uma espiritualidade individualista, falta para nós a percepção de uma graça atuante na sociedade, modificando as estruturas que ainda escravizam o ser humano, e ser humano sem graça não é outra coisa senão um escravo desgraçado, perdido, cego, amedrontado. Adjetivos tão familiares em nosso século.

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